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E tá tudo bem, neném

12 julho, 2013
O contexto pode ser definido numa frase – sem floreios, truques de linguagem. Direta e simples. “Stereotypes of a black male misunderstood, and it’s still all good”. Estereótipos sobre um homem negro mal interpretados, e ainda tá tudo bem. Fim da segunda estrofe, antes do gancho. Biggie está falando de e para quem ele dedicou a música no começo, em seu conto de ascenção – na época, ele já tinha uma nota, mas não aquela que ele quer mostrar na letra. Ainda assim, se deu bem melhor do que o previsto (até tomar uns pipocos, vdd). Estereótipos de um homem negro mal entendidos. Mas também explica o resto. Preto e dinheiro são palavras rivais? Então mostra pra esses cu como é que faz.
A politização radical do rap nos EUA começou a arrefecer, em diferentes modos, a partir do fim da recessão dos anos 80 que quase esmagou a comunidade negra do país. O velhinho barbudo tava certo, e a economia influencia a vida artística mais do que muita gente gostaria de admitir. Nos anos 00, a partir do fim da recessão do segundo mandato FHC (entre outras questões de contexto, isso aqui é rápido demais para abranger tudo – uma hora abrimos com mais calma essa história), do pleno emprego, da redistribuição, mesmo que minguada, de renda, a música também muda. Mas a raiz permanece. A luta se transforma em outra, maior e mais difusa, e dialoga com outras coisas – e talvez com o maior dilema atual do novo século, o do cidadão enquanto consumidor.
Estereótipos de um homem negro mal interpretados. Não é só sobre o currículo escolar um homem negro. É sobre o que ele tem o direito de desejar, que papel na sociedade ele tem o direito de ter. O Mega Drive E o Super Nintendo. O diamante no brinco da filha e a champa no lugar da água. Lembra qunado eu só tinha sardinhas pra comer no jantar? Explica ao mesmo tempo o aspecto triunfalista no rap do Emicida e alguns dos seus imitadores, o funk ostentação, o rap de Planaltina. E tá tudo bem, neném. Se você não sabia, agora tá ligado.

Anton

22 setembro, 2010

Esse texto não é meu – já vou avisando que o Six e a Ramona seguem bem – mas é uma tradução feita em cinco minutos de um texto do Warren Ellis que eu fiz para a Dani. Sei que aqui nem é lugar dessas coisas, mas como eu sou um emo mesmo, vai aí. Tenta não chorar:

Anton

Nossos três gatos foram basicamente resgatados: compramos eles para tirá-los de um pet shop de merda que estava armazenando eles num chão de concreto sujo e frio sem nenhuma comida visível perto deles. O menor dos três acabou sendo levado às pressas para o veterinário no dia seguinte, que nos disse que, se tivéssemos esperado mais 24 horas, ele estaria morto. Eu estava trabalhando num personagem pequeno e cagado na época, e foi daí que o gato pequeno e cagado ganhou seu nome: Anton.

Anton viveu mais dezesseis anos. Hoje, enquanto o resto da família estava fora, eu trouxe os veterinários para vê-lo, e eles me disseram que ele teve uma falência renal súbita, e não havia mais tratamento. Então eu sentei com ele, e o agradeci, e disse a ele que o amamos e que ele foi um bom garoto enquanto eles deram a ele a injeção, e enquanto eu embalava ele, ele me deu aquele olhar semicerrado dizendo que tudo estava bem, e então ele dormiu. E eu acabei de enterrar ele no quintal.

E eu estou escrevendo esse texto porque no começo ele era o meu amigo, que andava pela casa na palma da minha mão, e depois ele virou o melhor amigo da minha filha por muitos anos, e porque ele veio comigo ao quintal há três dias (ele era desses gatos que não saem de casa) e ficou na beira da calçada, virado para o jardim, e deu cinco ou seis miados altos para o crepúsculo, como se dissesse “eu estive aqui. Saibam de mim. Eu estive aqui”.

E ele esteve, e foi bom. E ele merece que mais pessoas saibam que ele esteve aqui.

E agora vem a parte mais difícil, esperar todo mundo chegar em casa e contá-los o que aconteceu. Mas o meu pequeno camarada está dormindo no jardim agora, do lado das papoulas do meu falecido pai, e com isso, e com esse texto, eu cuidei dele do melhor jeito que pude.

Renascer no ar

22 junho, 2010

São seis bilhões de almas em todo o mundo – pura multidão. É por isso que tentam vender pra você essas “exclusividades” cheias de filas, esses “ambientes selecionados”. É pra fingir que um lugar menor abarrotado com menos gente é melhor do que muita gente em um lugar maior.

Na era das multidões permanentes, é preciso mais do que dinheiro para se obter exclusividade de algo realmente relevante. É preciso amor sincero e paciência plena. É preciso desapego e certeza.

Para se obter algo único, uma “experiência completa”, é preciso jogar fora algumas coisas. É preciso mergulhar durante algumas horas em um lugar específico, durante um evento específico que não foi bem planejado, afinal você não está pagando por ele. Ou pelo menos, está pagando muito menos do que ele valeria nominalmente no mercado negro de experiências.

É preciso se assumir as demandas pesadas da realidade, lembrar que a cada momento você está deixando de saber uma última novidade que vai ficar velha daqui a 20 minutos, que você está deixando de comparecer a 30 outras coisas incríveis e de falar com 200 outras pessoas exclusivas. Sua exclusividade depende do seu compromisso com você mesmo.

Mas faz algumas semanas que eu tive a oportunidade de participar de um desses míticos acontecimentos, em um pequeno grupo. Foi em uma sobreloja no ponto mais alto de Perdizes. Você entra por uma porta vermelha e sobe uma escada comprida. Ali, no que mais parece uma república estudantil, funciona a sede da gravadora Cloud Chapel.

Eu não compareço muito a eventos desse tipo fora da minha casa, o que é uma pena. A natureza do meu trabalho por vezes me força a me fazer gastar muito tempo com unanimidades ou polêmicas vazias ou novidades com prazo de validade. Me sobra uma parca e curta vida que prefiro dedicar à Dani, ao Six e à Ramona, meus eventos particulares diários.

Você deve ter ouvido falar da Cloud Chapel. Quer dizer, vai saber. Você não precisa saber de tudo. Nem eu. A gravadora é uma ideia do Stan. Ele tocava nos Telepatas (eles existem ainda?). Agora ele tem um projeto solo, chamado Quarx! Quarx!. Ele diz que alguém disse que parece Microphones. Eu concordo.

A Cloud Chapel lança discos gravados em quartos. Eles têm um site bacana, em inglês e protuguês. Espero que os gringos descubram o lance logo. Até agora saíram dois discos, “Vestígios da Megafauna”, do Acessórios Essenciais, e “Malta”, do Península Fernandes. Os dois podem ser baixados no site da gravadora. Segundo o Rodrigo Sommer, o Acessórios Essenciais pode ser resumido como “Tom Jobim mais Animal Collective”. O Península Fernandes ninguém se arriscou a classificar até agora.

De vez em quando a turma da Cloud Chapel resolve abrigar alguma apresentação musical em sua sede. A última, essa que estou tentando descrever, foi do Bonifrate, vocalista do Supercordas que mantém uma “carreira” solo. Ao lado dele na voz e violão, ruídos etéreos são providos pelo companheiro de banda Giraknob, com a participação ocasional de Alexander Zhemchuzhnikov no sax.

Bonifrate é daqueles gênios, no bom sentido, que brotam com facilidade insuspeita quando os especialistas em encontrar gênios não estão olhando para o lado certo. Por outro lado, ele não é um revolucionário, nem reformador. Existe um aspecto zen nas suas composições que parecem zombar de todas as nossas noções de “progresso musical”, listas de artistas mais influentes, linhas do tempo.

É pura inspiração, são hinos, são músicas de fogueira, onde o tema subjacente é tão veículo quanto a voz, o violão, a melodia. “Ele é o nosso Jeff Mangun”, celebra o preciso Rodrigo. Assim como o Neutral Milk Hotel, suas composições demandam atenção instantânea. Por mais que sejam melódicas e estruturalmente simples, não servem de trilha sonora, precisam ser escutadas ativamente, exigem concentração.

Isso é exclusividade verdadeira. É estar em um lugar com um objetivo definido, acompanhado de pessoas que compartilham da mesma missão. E ela não tem um preço definido em divisas. Ela só acontece com dedicação, escolha, precisa de tempo investido, é mais essência que aparência. Quantos reais custa isso?

Bonifrate sabe das contas a serem pagas, mas também sabe que as contas não definem a vida. Os Supercordas ainda terminam seu novo álbum, sucessor de “Seres Verdes ao Redor”, de 2006. Enquanto isso, seu próximo solo vai crescendo, e já tem tema: o proverbial pé-na-bunda.

Ele terminou um relacionamento recentemente, e já tem duas novas composições: “Eugênia” e “Cantiga da fumaça”. A última já pod(ia)e ser ouvida, em versão lo-fi, no MySpace dele. É uma “It’s all over now baby blue” estóica. Por outro lado, ele diz não gostar de “Blood on the tracks”, o álbum de separação de Bob Dylan lançado em 1975.

(Para ouvir as inéditas “Eugênia” [catarse sem escalas], “Naufrágio” e “Cantiga da Fumaça”, baixe o ótimo áudio do show deles no Plano B, no Rio)

Ao final do show (acontecido no chão, alguns amplificadores e duas TVs ligadas em ruído branco fazendo as vezes de cenário) vem o costumeiro grito de bis. Eu peço “Cidade nas nuvens”, uma das minhas favoritas – ao lado da cover de “Aldebaran”, da banda Filme.

Ele faz uma cara de leve desânimo. Mais tarde explica que não gosta de tocar a faixa sem o acompanhamento do arranjo presente na gravação. Só voz e violão fazem dela um desafio. E ver ele se digladiar com o instrumento faz o desafio belo. A fragilidade da interpretação só dá força à música.

“Eu vou renascer no ar, numa fazenda de nuvens”, começa. “E do céu lacrimejar a chuva das minhas lembranças/ Na moleira das crianças/ E me esquecer que já nadei num mar de esperanças”. A primeira pessoa é retórica e logo se volta para fora.

“E as pedras que um dia atirei no rio que beira a estrada/ Ricocheteiam leves antes de afundar como uma pergunta quebrada”. Despida do enlevo do arranjo original, a música vira fato, se impõe sobre a realidade. “Pedras somos nós”, reconta o bardo, aquele que mente pela verdade, que diz o proibido.

“E pedras não podem/ Com a força do rio a carregar/ Com a força do rio a carregar”, sentencia Bonifrate, se contradizendo no simples fato de cantar/ contar. A sua arte é enlevo, é a própria contracorrente, o contrassenso do rio, do fluxo. É ela que carrega as pedras para o outro lado. Mas o segredo é que essa fuga, talvez a única possível, não se dá pela força. O caminho é mais sutil, dolorido, obscuro e caro. E mais sublime.

Bônus:

Cantiga da fumaça (Letra)

(Letra e música: Bonifrate)

As ruas andam vazias
O bonde sem condutor
E os especialistas todos acreditam que não vingará

Um novo plano escapista
Parece indigno de ti
Mas os planos, as palavras, a cozinha e o chuveiro não querem dizer

Que o tempo pode parar
De engatinhar

Então leva tudo que quiser
Que agarre na memória
E empilha nos porões
Musgosos e mofados
Que abrigam os amores vãos

A multidão descabida
Sem fundo para projetar
Seus maltes, seu silêncio, sua tara, sua prosa, mariposa que já vai voar

Num arremedo de paz
Que a fumaça traz

Então deixa tudo que quiser
Que eu pregue na cortiça
Que eu acho alguém para pedalar
Comigo e toda a minha grande alma destemida
Possantes pelas ruas
Velhas e vazias
Em movimento circular
Como os discos
Que soam nos porões
Ruidosos e mofados
Que abrigam os amores vãos

Algo tão bobo assim de se querer

18 maio, 2010

Existe um feeling, um sentimento, um barulho, um jeito de dizer as coisas, que me deixa bobo, nostálgico, estranho. Até uns 13 anos de idade, eu tinha passado a vida inteira procurando uma tradução para ele (e de certa forma eu ainda passo tentando definir isso, como nesse texto). Aí eu encontrei o indie rock, perdido em algum passeio em loja de CDs, matéria da Ilustrada, resenha da Bizz, um Lado B da MTV de madrugada.

Lê Almeida por Dani Hasse

Lê Almeida por Dani Hasse

Numa dessas o certo era eu ter sido metaleiro, punk, seilá. Com a grana da minha família, playboy é que não ia ser. É claro que eu gostava de uns lances punks (uns até zoados, tipo Rancid), de Metallica, mas acho que, ou gosto de acreditar que, eu curtia mais Jesus & Mary Chain. O que também não é nada de se orgulhar.

É por ter crescido assim que eu exija menos de bandas de indie rock do que eu exijo dos outros estilos. Não precisa de inovação, conceitos revolucionários, desconstruir as estruturas da canção. Nesse caso uma melodia bacana me conquista – o arranjo pode até ser copiado do Teenage Fanclub, ter uma levada meio Flaming Lips. O que importa é aquela SIMPATIA.

Como eu cheguei atrasado nos anos 90 – não vi nenhum show do Superchunk, quando eu descobri o Pavement a banda acabou – esse indie rock todo era um monstro tão grande quanto, seilá, a psicodelia inglesa, para se enfrentar. Era algo gigantesco, que na era pré-internet só dava para conhecer pelas beiradas.

E aí veio a internet, e vieram os Strokes, e vieram todos os anos 00. A disponibilidade de informação musical estimulou, para mim e para mais um monte de gente da minha idade, uma década de descobertas – eu tive uma longa fase 60s e 70s durante a faculdade, por exemplo.

Quando os 00s foram se aproximando do fim e me mudei para São Paulo, eu também comecei a mirar de volta para os 90s. Um pouco por culpa do namoro/casamento com a Dani, outro pela convivência com velhos como o Adriano e o Rodrigo, outro por aquela série de shows cover do fim da Peligro no Milo.

Mas a verdade é que estava na hora de olhar para trás. De revisitar, de me reconhecer naquilo tudo, de me sentir nostálgico por uma época que nem legal foi, de achar do caralho os fanzines que eu nunca tinha lido, das cartas que nunca mandei, das fitas que nunca copiei.

Porque isso não aconteceu só comigo. A minha geração de atrasados parece estar reinventando o que não viveu aos poucos. Eu não estou falando da volta do Pavement. Tou falando dos Baudelaires, por exemplo.

Fã clube adolescente?
Um camarada me apresentou eles via Twitter, dizendo que eles “são o Tineijão brasileiro!”. Fui ouvir e fiquei feliz. Eles não são a versão brasileira do Teenage Fanclub, mas com certeza seriam chamados de “brit” em 1995.

A gravação é lo-fi – não é ruim, mas quase que tem som de K-7, e aposto que vai ter muita gente reclamando sobre o quão eles são derivativos. Foda-se, tem uma banda em Belém do Pará fazendo um som que me faz feliz, e pra mim isso já ta massa. “She’s a Queen” tem aquela levadinha arrastada que você sabe qual é, aquela que te lembra de tomar café na rodoviária enquanto esperava o ônibus para voltar para casa depois de fazer o vestibular.

Já “I Feel Twisted by You” parece uma banda dos 90 tentando imitar os Beatles – um clichê cristalizado, como aquela banda de moleques semi-punks que parece Ramones ou o tiozão blueseiro tentando ser o Robert Johnson. Não tem nada de errado com isso. É assim que se aprende a compor, a tocar. Na história musical pré-gravação não existiam patrulheiros como nós: “ah, essa sua canção parece com uma que o menestrel William tocou há dois meses por aqui!”.

Acho que o nome mais conhecido desse neo-old-indie é o Superguidis. O quarteto de Guaíba (região metropolitana de Porto Alegre) apareceu na segunda metade dos 00 (tudo bem que os primeiros EPs são de 2003/4) e soava um pouco deslocado na cena pós-Strokes. Afinal, quem ainda se importava com Guided By Voices?

Mas as músicas eram boas, e “Malevolosidade”, “O véio máximo” e “O raio que o parta”, do álbum homônimo de 2006 tocaram em repeat no meu mp3 player de camelô durante meses. Eles foram o primeiro grupo em anos para o qual eu arrisquei tascar um “guítar band” no rótulo.

Aqueles efeitos, uns chorus estranhos, umas distorções meio empapuçadas sem ser “roque de roqueiro”, aqueles feedbacks – era tudo de volta. É claro que as melodias “simples e eficientes” (pra ficar no jargão) ajudaram muito, especialmente nos refrões pra cima de Andrio Maquenzi e Lucas Pocamacho (os principais compositores do grupo).

Outra vantagem é que eles não passavam pelo problema da pronúncia falsa. Sabe, aquela letra em português tentando encaixar em uma música que provavelmente foi composta em embromation anglo-saxão. Os Superguidis simplesmente cantavam com um carregado sotaque portoalegrense, e ele parecia resolver a questão.

Eles já estão com o terceiro álbum engatilhado, e não sei se eu estou esperando tanto. O segundo disco, “A Amarga Sinfonia do Superstar”, parecia que tinha alguma coisa a menos que o anterior. Acho que senti mais falta do sotaque. Mas isso é coisa de tio chato. Sou um patrulheiro, né? Melhor ouvir o novo single, “Não Fosse o Bom Humor” você mesmo. Vai que você discorda de mim.

Nunca tive coleção de alguma coisa pra deixar exposto na parede
Mas eu acho que dessa “redescoberta indie” o mais interessante é o Lê Almeida, que toca em São Paulo na Livraria da Esquina no dia 4 de junho. E nem estou dizendo isso porque eu estou entrevistando o cara por MSN ao mesmo tempo em que escrevo esse texto. É porque as músicas dele realmente são legais, e o jeito que ele faz tudo isso é tão divertido e 90s que nem dá pra acreditar que existe de verdade.

Ele mora na Baixada Fluminense (na cidade de Vilar dos Teles), e vive de consertar malas. Isso, nada de jornalismo, design, funcionalismo público, publicidade. Em plenos 00, começou gravando em fita cassete, em casa, como faz até hoje. Pelo menos agora tem duas mesas de som, oito canais. “Mas não uso todos”, avisa. E na hora de gravar, leva a bateria para o quintal. “O som é mais legal”, diz.

Eu ouvi as coisas dele pela primeira vez via “Alguns barulhos legais”, coletânea do selo dele, o Transfusão Noise, lançado em parceria com a lendária midsummer madness (dá pra usar “lendária” em relação à mm hoje, não?), mas acho que eu estava em outra, e deixei passar.

Voltei a conhecer o selo quando lançaram um tributo brasileiro ao Guided By Voices – agora sim, eu estava no tempo certo, estava até lendo uns LIVROS sobre a banda. Umas coisas pareciam estranhas, outras vergonhosas (o que é a cover do Kid Vinil pra “Everywhere with helicopter”?!), mas tinha muito potencial na coletânea. Ouvi umas coisas legais, mas pô, Lê, é muito complicado entender o site, tem muita banda!

A Dani (sempre ela) me lembrou que eu tinha que ouvir o Lê com mais calma me mandando o link do lindo clipe de “Nunca Nunca”, filmado em Juiz de Fora. A música é um creme, daqueles que transportam você direto para o presente certo, aquele em que você não se frustra no trabalho, na vida na cidade grande, na rotina.

É aquela falta de perspectiva adolescente que se transforma em ilusão de potência. É aquele “agora” que se impõe no passeio flaneur em uma tarde de sábado em uma cidade sem nada para fazer. É o tédio reimaginado não como vontade, mas como realização per se.

Menos lo-fi que o resto da produção de Lê, o EP “Révi”, lançado como vinil 7 polegadas, é todo assim. Das lições aprendidas com o tio Rob Pollard, Lê aproveita a ideia de que a canção se mede por si própria, não importa o tamanho que ela possa apresentar. Para quê encher linguiça se “Curso de Datilografia” cabe em pouco mais de um minuto, e “Voo na Sexta” em menos que isso?

A letra de “Canção para Beto Guedes” é quase pueril? Tá, e daí? E sim, “Hardcore experiência” lembra demais Flaming Lips. Você se importa? Eu não. A vida é muito curta, e eu quero curtir aquilo que muda a minha. E, de certa forma, assim como milhares de músicas já mudaram a minha vida, essas do Lê fizeram isso de novo. Não sou eu quem vai reclamar.

Adeus, Milo de quinta

28 agosto, 2008

Daqui a algumas horas eu estarei subindo a Angélica rumo ao Milo Garage. Não sei o que vai acontecer direito – a programação diz que o show está a cargo do projeto-solo do Telepata Stan Molina (& o Departamento Celeste) tocando Pavement. E a programação também diz que vai ser a última festa da Peligro no Milo Garage.

Eu não estava lá quando a Peligro no Milo inaugurou a casa. Eu acompanhava tudo à distância, em Londrina, informado por amigos como Ronaldo, Eugênio e Matias. Mas sempre que eu visitava São Paulo dava um jeito de dar um pulo no “Milo de quinta”, forma corriqueira de se referir à festa. Foi lá que em julho, um mês antes de me mudar pra SP, eu assisti pela primeira vez um show da Lulina.

A questão que faz com que o fim da Peligro no Milo seja o “fim de uma era” é o senso de comunidade que se formou em torno da festa. Vinda das anárquicas noites na Generics (que, reza a lenda, teve uma festa de despedida de rachar o assoalho literalmente), a Peligro no Milo girava em torno de Gui Barrella (dono do selo/distro que batiza a festa) e Dago Donato, metade do Centro Cultural Batidão que ficou sozinho quando Eduardo Ramos começou a rodar o mundo no cargo de produtor/ empresário de bandas indies (mas que nunca deixou de voltar ao Milo quando no Brasil).

Esse espírito de comunidade é quase invisível, é intangível e espontâneo. Quando eu saí de Londrina, me senti um estrangeiro no meu próprio país. Se lá eu conseguia ir ao Valentino ou ao Potiguá sozinho e sem nenhum planejamento e ainda assim encontrar pessoas, fazer presepadas, me divetir e beber, em São Paulo eu só me sentia deslocado, quase inconveniente.

Mas o Milo (que a partir de agora aparece neste texto como sinônimo da festa da Peligro) tornou-se a minha segunda casa, antes mesmo de eu me mudar para Higienópolis, a duas quadras do bar. Foi no Milo que fiz e reencontrei grandes amigos, e lá, por muito tempo, era o único lugar para o qual eu iria sem nenhuma companhia.

Muitas vezes eu não estive nos melhores momentos do Milo, muito por não morar aqui antes de 2006. Eu não vi a Kátia (que eu conheci numa reunião pré-Milo na casa do Ronaldo e da Gê) discotecar o samba-enredo da Viradouro de 96. Eu não estava lá quando o Palugan gravou a apresentação do CSS. Eu não estava lá no show do Moving Stairs, banda que tinha dois terços da Folk This Town. Eu não vi o Diplo discotecar lá sob o pseudônimo de Wesley Pentz (na verdade o nome “civil”dele).

Mas eu vi muita coisa boa no Milo. Vi o Grenade pela primeira vez fora de Londrina, numa festa lotada. Vi o James Orr Complex, mal falando português, tocando para uma platéia atônita e plantando na minha cabeça a semente da Folk This Town. Vi o Macaco Bong num dos shows mais intensos EVER, tocando no melhor palco para artistas pedreiros – o chão. Eu enfrentei fila e VI o show da Mallu Magalhães, que a maioria só ouviu. Vi o Elma tocando Portishead, Telepatas tocando Wilco, Lulina tocando Velvet. Vi o Ronex e seu Royale e ajudei o Palugan e a Susan na “iluminação” – e ainda carreguei o Ronex no colo no fim do show. Discotequei duas vezes, uma delas no meu aniversário. Ouvi o Dago discotecar “Tiny Dancer“, vi ele fazer um set indie/soul/rap de não deixar ninguém ir embora, passei horas na “cabine do DJ” só sacando o som que o Barba ia colocar. Ouvi o Eugênio e o Breno num duelo grunge. Fechei o bar, e também saí cedo demais. Perdi banda para ficar conversando no quintal e já dancei até as pernas ficarem doendo no dia seguinte. Tive uma revelação espiritual patrocinada pelo Massari. Vi o Plato Dvorak e vi o Walverdes tocando para quase ninguém. Aliás, eu estava lá no PIOR dia do Milo, apresentação de um tal de Bernhard Ghal. Não perguntem muito, mas foi horrível mesmo.

Essa lista não é só minha – todos que consideravam-se parte da comunidade Peligro devem ter a sua. E cada uma dessas listas é a verdadeira história do Milo, pelo menos o Milo que me interessava de verdade.

E claro que a festa não morre, nem morre o bar. O Milo vai achar algo para as suas quintas, e a Peligro vai criar sua própria casa, a Neu (“novo” em alemão e nome de uma das bands mais influentes do krautrock).

E vai ser massa, porque o que vai prevalecer, muito além da geografia, é esse senso de comunidade – uma das coisas mais importantes da e para a boa música. É só pensar na Rough Trade do começo, é só pensar no Our Band Could Be Your Life. E o melhor e mais importante dessa turma é que a comunidade é receptiva, e recebe o novo, seja um indivíduo ou um novo gênero musical, de peito e braços abertos.

Por isso que eu não estou triste. Termina uma fase na vida de muita gente, uma nova fase se delineia no horizonte. Quando eu colocar minha camiseta do Sonic Youth, minha camisa de flanela xadrez e o meu all-star de flames, quando eu subir a Angélica e chegar lá, cumprimentar o segurança, ir comprar minha Skol de meio litro, eu não estarei triste. Eu vou estar feliz, celebrando ao lado dos meus amigos. Porque é o fim do Milo como o conhecemos. E eu me sinto bem.