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This one’s for the freaks

27 agosto, 2008

O que te emociona? O que te faz sentir vivo, que histórias te arrancam as lágrimas?

Para mim existe uma história máxima, um árquétipo de enredo, que, invariavelmente (se não for a única coisa que) me emociona. É a história do “Underdog”.

Não estou falando, digamos, da “zebra” esportiva. A história não é sobre sorte, muito menos sobre destino. É uma história sobre o contrário do destino, é sobre aqueles que deveriam ter ficado nos seus devidos lugares, sobre aqueles que não tinham (porque não nasceram no lugar certo, ou com os genes certos) chance alguma de realizar a sua tarefa. Não é sobre os favoritos, os donos e o status quo. É sobre os combalidos, oprimidos, os freaks e marginais.

O “underdog” se manifesta de várias formas ao longo da história, e sua única força reside na firme e inabalável fé na superioridade moral de sua missão. É o underdog o agente da revolução – cada uma delas, cada uma das que importam realmente – sejam elas pessoais ou sociais.

Underdog é Matin Luther King, Rosa Parks e todos os negros que se levantaram contra o apartheid velado norte-americano. Underdog é V derrubando o governo fascista da Inglaterra. Underdog são os argelinos, mesmo sob tortura, expulsando os franceses e seus mercenários. É Marlin, o pai do Nemo, contra tudo e contra todos, atravessando o oceano para resgatar seu filho.

Não quer dizer que na vida real e na ficção os underdogs não sejam derrotados – o comum é eles se ferrarem mesmo. Afinal, são eles contra o mundo, e não é necessário um longo debate para podermos chegar à conclusão de que este é um mundo cruel.

E é exatamente isso que me emociona – a vitória de cada underdog é uma vitória da esperança, é uma vitória do que é realmente certo num mundo de aparências. Nem sempre uma disputa entre um forte e um fraco onde a vitória seja dada àquele menos favorecido vai terminar em justiça, e, por estranho que seja, às vezes os grandes são mais benevolentes que os menores (é só pensar na diferença entre espartanos e persas nas Guerras Médicas).

Ainda assim, é sempre o underdog o vetor da revolução – porque são só aqueles que nada têm a perder que podem fazer uma revolução verdadeira. É isso que diziam Marx e Engels ao fim do Manifesto do Partido Comunista, e é isso que dizem os texanos do Spoon em “The Underdog“, faixa sete do excelente álbum Ga Ga Ga Ga Ga (2007).

O Spoon já tem quase quinze anos de estrada, contratos malfadados e recente sucesso – Ga Ga Ga Ga Ga estreou em décimo lugar na Billboard. Nascidos indies ortodoxos, aos poucos absorveram influências de soul mas continuaram experimentando com o próprio som, como uma espécie de Wilco black.

The Underdog“, pelo contrário, é faixa para cantar junto, bem alto. Violões e bateria explodem e levam à um riff de metais, que deslizam para a calmaria: violãozinho, maracas e a voz semi-afetada de Britt Daniel. Entra baixo, volta a bateria e Daniel começa sua acusação, que sai de uma cena banal (“chinelos e cachimbo”, “sala de estar”) e vai direto para a jugular da indiferença pequeno-burguesa: “Livre-se dos atravessadores”.

Entre o tédio de um Green Day, o didatismo radical do Crass e as políticas do cotidiano do Gang of Four, o Spoon profetiza a revolução, a queda e avisa àqueles que desprezam os oprimidos: “É por isso que você não sobreviverá”.

“Você não tem tempo para o mensageiro”, “não fala com o entregador de água”. O Spoon sabe que não está falando apenas para e com o alto executivo arrogante, mas também, por um lado, com aqueles que detêm pequenos poderes dos quais não são conscientes (eu, você) e por vezes o acabam exercendo involuntariamente e por outro, chama indiretamente à revolta àqueles que estão abaixo (sua faxineira, seu porteiro).

O Spoon não prega comunismo ou outra vertente política, mas entende que sim, existe uma tensão, existem opressores e oprimidos – e que “aquele que não teme o underdog não sobreviverá”. Se muitas vezes a vitória do mais fraco é desviada de seu viés político, aqui a temos escancarada, em forma de melodia assobiável e tocando no rádio.

O Spoon não é uma banda política como o Rage Against The Machine ou o Manic Street Preachers, mas traz para o cotidiano e mostra como as relações de poder se estabelecem e se reproduzem muitas vezes inconscientemente.

Numa canção que se estrutura em crescendos, onde os instrumentos mudam de papel, somem e reaparecem, e que quer profetizar a revolução, só existe um fim possível. E ele está lá, encerrando a canção e inflamando a imaginação do ouvinte: um disparo de arma de fogo, seco. Se é vingança, revolução ou repressão, só você mesmo pode responder.