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The Sounds of Silence

23 setembro, 2008

“Silence is golden”, dizia aquela canção do Frankie Valli que foi içada ao primeiro posto das paradas inglesas no final dos anos 60 pelos Tremeloes. Na verdade o silêncio total não existe, apenas existe uma impressão disso – como provou a si mesmo John Cage quando entrou numa câmara silenciosa na Universidade de Harvard para se pegar ouvindo o som grave do bater do seu coração e a onda aguda que indicava o funcionamento do sistema nervoso.

É claro que isso diz mais sobre a natureza do som e da nossa percepção sonora que sobre música pop em geral – e a discussão poderia voar longe, da clássica “4’33”” do próprio Cage ao Dia Sem Música do Bill Drummond. E a idéia aqui é sobre como falam os silêncios e os sussurros, que de certa forma são a própria linguagem de muitos artistas, de Jandek a João Gilberto. E do Spengler Tenglers.

De carreira intermitente e produção limitada (no total gravaram apenas sete composições próprias), a dupla catarinense (Dani Hasse nos vocais e baixo, Alexandre Lima na guitarra/ violão e vocais) se baseava, em muito, no controle das intensidades de volume. Falando assim, parece hermético, mas é só descer até o fim dessa matéria, baixar o disco deles e colocar para tocar enquanto lê, e então tu vais entender melhor.

O EP Seven Songs não tem nenhum momento de silêncio “absoluto”, mas se equilibra numa sutileza lo-fi onde os “silêncios” são o próprio respirar, o próprio batimento cardíaco da música. São canções onde o não-dito comunica e significa muito mais do que aquilo que é declarado, assumido. Os violões e efeitos são cama, cenário, indícios e pistas para qual aponta a música.

As vozes dialogam em contraste – o sussuro grave de Lima e o agudo delicado de Dani se complementam espontaneamente, como se ambos os sons tivessem nascido um para o outro. Assim, transformam as influências, assimilando-as para seu próprio mundo. Um mundo que gravita em torno de Arquivo X e Sandman, Echo & The Bunnymen, Sebadoh e Cowboy Junkies.

Com os últimos, o Spengler Tenglers compartilha a aura de segredos revelados à penumbra do clássico The Trinity Session – e aqui, como no álbum dos Junkies gravado na Igreja da Santíssima Trindade em Ontário, por mais pessoais que os segredos revelados sejam, eles tomam forma de mistérios religiosos, transmitidos de geração a geração oralmente à sombra da incompreensão alheia. É como se a Missa do Galo do Arcade Fire fosse transformada em novena numa casa de madeira no interior – sai toda a pompa, sobra toda a fé.

A dupla (já na época, ex-namorados) foi formada em 1997. Uma das excelências do indie catarinense, Lima era o chefe da Low Tech Records e tinha um currículo extenso de passagem por bandas como Minds Away, Gods of Joy, Low Tech All Stars e Lápis – a última com Dani, que viria a liderar o Hey, Miss! e hoje é baixista do Stuart. Desde o começo, a idéia era “algo mais natural”, diz Dani, “nada de vocais ensaiados como nas outras bandas, só abrir a boca e deixar a música vir, deixar a voz livre”.

O formato acústico ajudava mais ainda o clima de liberdade criativa e também de tranquilidade, de falta de pressão: “eu tinha um baixo acústico, então era se encontrar em qualquer hora e lugar que a gente pudesse tocar”. Influenciados por Mojave 3 e Mazzy Star (além dos já citados), gravaram uma fita-demo com cinco músicas ainda em 97. A dupla chegou a parar em 98, mas voltou no Natal de 2000 para um show entre amigos. Seven Songs foi gravado em 2002, juntando a faixa inédita “Abducted By Your Heart” ao material que compunha a demo.

O som é reverente, concentrado em si mesmo. O diálogo das vozes é toda e qualquer dança que o Spengler Tenglers sugere – enquanto Lima canta como quem respira pesadamente, naquela sensação de segredos contados ao pé do ouvido, Dani usa seu regristro agudo de maneira única. O tom alto passeia longe daquela voz de fadinha de Kate Bush e Joana Newson, mas ao mesmo tempo não parece ser desse mundo. É uma voz ideal, incorpórea – sobrenatural e também familiar, quente, que reverbera pelos ouvidos diretamente para a espinha, como se produzisse um arrepio de espanto com a sua beleza delicada.

Em “Everything”, “Hollow”, “Indefensive” e pelo resto do EP a forma se repete, não como fórmula, mas como o rumo natural da dupla – eles não sabem fazer música juntos de uma forma que não seja cortantemente linda. “Feeling hollow/Nothing seems to bring me up/ Nothing seems to bring me down” cantam em “Hollow” – e o vazio toma conta da própria música, naqueles momentos em que o próprio som toma as rédeas da compreensão e os significados perdem lugar para a própria empatia inconsciente do ouvinte.

A música do Spengler tenglers é feita desses momentos de empatia, onde som e ouvido são uma coisa só. Deus está nos detalhes, e os detalhes estão por todo lugar no Spengler – o som de um lábio se abrindo antes de qualquer palavra ser dita, o deslizar dos dedos pelas cordas do baixo. É quando, nesses momentos de atenção profunda, o silêncio faz a música dobrar sobre si mesma, em reverência à sua própria beleza. E então o Spengler Tenglers começa a tocar.

‘The words of the prophets are written on the subway walls
And tenement halls’
And whispered in the sounds of silence

[DOWNLOAD] Spengler Tenglers – Seven Songs EP