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Adeus, Milo de quinta

28 agosto, 2008

Daqui a algumas horas eu estarei subindo a Angélica rumo ao Milo Garage. Não sei o que vai acontecer direito – a programação diz que o show está a cargo do projeto-solo do Telepata Stan Molina (& o Departamento Celeste) tocando Pavement. E a programação também diz que vai ser a última festa da Peligro no Milo Garage.

Eu não estava lá quando a Peligro no Milo inaugurou a casa. Eu acompanhava tudo à distância, em Londrina, informado por amigos como Ronaldo, Eugênio e Matias. Mas sempre que eu visitava São Paulo dava um jeito de dar um pulo no “Milo de quinta”, forma corriqueira de se referir à festa. Foi lá que em julho, um mês antes de me mudar pra SP, eu assisti pela primeira vez um show da Lulina.

A questão que faz com que o fim da Peligro no Milo seja o “fim de uma era” é o senso de comunidade que se formou em torno da festa. Vinda das anárquicas noites na Generics (que, reza a lenda, teve uma festa de despedida de rachar o assoalho literalmente), a Peligro no Milo girava em torno de Gui Barrella (dono do selo/distro que batiza a festa) e Dago Donato, metade do Centro Cultural Batidão que ficou sozinho quando Eduardo Ramos começou a rodar o mundo no cargo de produtor/ empresário de bandas indies (mas que nunca deixou de voltar ao Milo quando no Brasil).

Esse espírito de comunidade é quase invisível, é intangível e espontâneo. Quando eu saí de Londrina, me senti um estrangeiro no meu próprio país. Se lá eu conseguia ir ao Valentino ou ao Potiguá sozinho e sem nenhum planejamento e ainda assim encontrar pessoas, fazer presepadas, me divetir e beber, em São Paulo eu só me sentia deslocado, quase inconveniente.

Mas o Milo (que a partir de agora aparece neste texto como sinônimo da festa da Peligro) tornou-se a minha segunda casa, antes mesmo de eu me mudar para Higienópolis, a duas quadras do bar. Foi no Milo que fiz e reencontrei grandes amigos, e lá, por muito tempo, era o único lugar para o qual eu iria sem nenhuma companhia.

Muitas vezes eu não estive nos melhores momentos do Milo, muito por não morar aqui antes de 2006. Eu não vi a Kátia (que eu conheci numa reunião pré-Milo na casa do Ronaldo e da Gê) discotecar o samba-enredo da Viradouro de 96. Eu não estava lá quando o Palugan gravou a apresentação do CSS. Eu não estava lá no show do Moving Stairs, banda que tinha dois terços da Folk This Town. Eu não vi o Diplo discotecar lá sob o pseudônimo de Wesley Pentz (na verdade o nome “civil”dele).

Mas eu vi muita coisa boa no Milo. Vi o Grenade pela primeira vez fora de Londrina, numa festa lotada. Vi o James Orr Complex, mal falando português, tocando para uma platéia atônita e plantando na minha cabeça a semente da Folk This Town. Vi o Macaco Bong num dos shows mais intensos EVER, tocando no melhor palco para artistas pedreiros – o chão. Eu enfrentei fila e VI o show da Mallu Magalhães, que a maioria só ouviu. Vi o Elma tocando Portishead, Telepatas tocando Wilco, Lulina tocando Velvet. Vi o Ronex e seu Royale e ajudei o Palugan e a Susan na “iluminação” – e ainda carreguei o Ronex no colo no fim do show. Discotequei duas vezes, uma delas no meu aniversário. Ouvi o Dago discotecar “Tiny Dancer“, vi ele fazer um set indie/soul/rap de não deixar ninguém ir embora, passei horas na “cabine do DJ” só sacando o som que o Barba ia colocar. Ouvi o Eugênio e o Breno num duelo grunge. Fechei o bar, e também saí cedo demais. Perdi banda para ficar conversando no quintal e já dancei até as pernas ficarem doendo no dia seguinte. Tive uma revelação espiritual patrocinada pelo Massari. Vi o Plato Dvorak e vi o Walverdes tocando para quase ninguém. Aliás, eu estava lá no PIOR dia do Milo, apresentação de um tal de Bernhard Ghal. Não perguntem muito, mas foi horrível mesmo.

Essa lista não é só minha – todos que consideravam-se parte da comunidade Peligro devem ter a sua. E cada uma dessas listas é a verdadeira história do Milo, pelo menos o Milo que me interessava de verdade.

E claro que a festa não morre, nem morre o bar. O Milo vai achar algo para as suas quintas, e a Peligro vai criar sua própria casa, a Neu (“novo” em alemão e nome de uma das bands mais influentes do krautrock).

E vai ser massa, porque o que vai prevalecer, muito além da geografia, é esse senso de comunidade – uma das coisas mais importantes da e para a boa música. É só pensar na Rough Trade do começo, é só pensar no Our Band Could Be Your Life. E o melhor e mais importante dessa turma é que a comunidade é receptiva, e recebe o novo, seja um indivíduo ou um novo gênero musical, de peito e braços abertos.

Por isso que eu não estou triste. Termina uma fase na vida de muita gente, uma nova fase se delineia no horizonte. Quando eu colocar minha camiseta do Sonic Youth, minha camisa de flanela xadrez e o meu all-star de flames, quando eu subir a Angélica e chegar lá, cumprimentar o segurança, ir comprar minha Skol de meio litro, eu não estarei triste. Eu vou estar feliz, celebrando ao lado dos meus amigos. Porque é o fim do Milo como o conhecemos. E eu me sinto bem.